quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Assalto

Uma jovem andava por uma rua. Um outro jovem, levemente mais velho, com uma meia preta na cabeça e uma jaqueta preta no resto do corpo se aproxima.

-Isso é um assalto.
-Ai meu Deus! Só não me machuca por favor!

Uma das mãos dele ia por dentro do bolso do jaqueta, segurando um aparente volume apontado para ela. A outra mão estava apontada para baixo com a palma aberta, tentando passar confiança para ela, como ele havia lido num livro sobre linguagem corporal.

-Fica parada ae. Não se mexa e tudo vai ficar bem.
-Não vou! Pode levar o que você quiser!
-Não faça nenhuma besteira.

Alguns segundos se passaram. Ambos permaneciam estáticos, mirando-se fixamente. Ele sereno, mas segurando a arma com convicção. Ela aflita, e suando muito.

-...
-...

Continuavam olhando-se compenetradamente. Ele estava frio como uma estátua de mármore. Ela estava quente como uma estátua igual a dele, só que feita de bronze e numa praça com bastante sol.

Um minuto se passou. Para ela, parecia uma eternidade. Para ele, parecia um minuto.

-...
-Eu tenho celular e carteira! O celular não é muito novo, mas acho que ainda vale uns 100 reais! Eu só tenho o dinheiro da condução, mas to com o cartão e posso sacar dinheiro se você quiser! Tem um caixa aqui na rua de...
-Para de falar.

Ela parou. Receava ter cometido um deslize mortal. Suas mãos tremiam. Suas pernas oscilavam. Gotas de suor escorriam pelo seu rosto. Sua garganta complemente seca.Sua barriga estava endurecida.

Suas pupilas encolheram ainda mais quando ele começou a mexer no bolso do casaco. Mantendo frieza e placidez ele calmamente foi retirando o objeto de dentro da jaqueta.

Ela entrou em choque. Ficou imobilizada. Fechou os olhos. Mil filmes passaram pela sua cabeça. Mil sensações ativaram seus sentidos. Pensava em tudo. Não conseguia pensar em nada. Aquele momento era uma infinita luz branca.

Abriu os olhos. Viu seu algoz com o objeto na mão. Ele olhava-o determinadamente. Ela, num surto de valentia, decidiu espiar.

Era uma ampulheta.

-O QUE VOCÊ TA FAZENDO!?!
-Assaltando.
-VOCÊ É UM IMBECIL! Que tipo de pessoa faz isso!! Por que você ta segundo uma ampulheta!?
-É o que costumo usar. Cronômetros ainda são bem caros. E relógios digitais irritam a pele do meu pulso.
-Que!? Para de brincar comigo! Termina com isso logo! Me mata de uma vez.
-Matar? Você tá maluca? Eu tenho cara de assassino?
-Eu talvez soubesse se você não andasse com uma meia na cabeça assustando pessoas na rua. Ai meu Deus, que desperdício. Você não vai me assaltar né? Eu deveria ter percebido quando você não pediu nenhum dos meus pertences.
-Já assaltei.
-Assaltou o que? Minha paciência? Meu tempo?
-Sim, esse foi um dos que mais rendeu, foram quase 8minutos.
-Era isso que você queria? Fazer eu perder meu tempo?
-Roubar seu tempo.
-Você além de imbecil é burro! Se você fosse uma pessoa normal poderia ter me convidado pra comer um pão na chapa, ia durar muito mais tempo,e ainda me pouparia de toda essa maluquice.
-Eu sou um ladrão. Não sou um mendigo. Meu negócio é assaltar, não ficar aceitando doações.
-Isso nem faz sentido! Porque enquanto você rouba meu tempo, você também gasta o seu! É como se um assaltante normal roubasse 40reais de uma vítima, mas precisasse gastar 40reais de táxi pra chegar no local do crime.
-Tempo não é dinheiro! Quem disse que os minutos que eu roubei de você valem o mesmo que os segundos que eu fiquei no assalto? Você é uma jovem estudante de medicina, eu sou um ladrão. Seu tempo é muito mais valioso que o meu.
-É isso que você faz da vida? Fica desperdiçando o tempo das pessoas que tem mais o que fazer?
-Desperdiçando não, roubando.
-Desperdiçando sim, isso nem crime é. Ou você pode ser preso por isso?
-Nunca me pararam, mas também nunca fui pego em flagrante. Não sei direito. Depende da nossa constituição, se ela considera ou não o tempo como uma propriedade individual, nesse caso talvez possa ser caracterizado como crime, mas também...

Ela avistou um sujeito andando do outro lado da rua. Era alguns anos mais velhos que ambos juntos. Trajava um uniforme policial, um quepe da polícia e botas altas. No seu cinto estavam algemas e um cassetete. Gritou alto sua direção, pedindo ajuda.

O sujeito se aproximou.

-Pois não, senhorita.
-Graças a Deus o senhor chegou! Esse homem aqui acaba de me roubar quase 20minutos!
-E o que você quer que eu faça a respeito disso?
-Prenda-o! Você é um policial!
-Me desculpa, mas eu não sou policial não.

O jovem e a jovem se olharam com cara de dúvida. O outro jovem menos jovem que os outros dois trajava roupas de policial, usava quepe de policial, carregava distintivo de policial e inclusive tinha um bigode de policial. Perguntaram simultaneamente.

-Você é o quê então?
-Um cidadão à paisana.

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