segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Noites de verão na Corséga

Eram 6:27 da tarde e ela estava com seu namorado no cinema, assistindo um filme sobre a história de um produtor de eventos esportivos num clube de golf na Córsega recém divorciado e uma jovem executiva que ama Sudoku e está em dúvida sobre suas prioridades na vida frente às novas mudanças de liderança dentro da empresa, que se conhecem por coincidência numa festa de ano novo na praia e que voltam a se encontrar meses depois em uma feira literária, onde ela descobre que ele é, secretamente, o autor de um de seus livros preferidos de infância e tentam conciliar essa nova paixão repentina com suas respectivas rotinas de trabalho. Ficou com vontade de ir no banheiro (ela tinha uma bexiga relativamente pequena comparada a média mundial, segundo recente pesquisa), e pediu passagem para o casal de idosos que estavam sentados ao seu lado, nos primeiros dois assentos ao lado do corredor.  A senhora Vilma abriu um sorriso, e rapidamente encolheu os pés, abrindo espaço suficiente para que uma jovem garota de dezessete anos e estatura mediana pudesse passar sem grandes desconfortos para ambas partes. Já o senhor Venceslau, num gesto rude e particularmente contraditório a expectativa geral da sociedade,  estendeu ambas as pernas e apoiou-as sobre as cadeiras da frente, formando assim uma cancela pela qual a jovem não conseguiria passar tranquilamente. A garota, em visivel estado de confusão e perplexidade, interrogou o senhor com um rápido movimento na sobrancelha, que, apesar de praticamente invisível na penumbra do cinema, foi respondido com a timbrosa porém baixa (visto que eles estavam no cinema) voz do senhor Venceslau: "Aqui não! Não vai passar e pronto." Enquanto isso, a senhora Vilma e o namorado da jovem permaneciam vidrados no filme, ignorando toda a excêntrica situação que decorria a sua volta, compenetrados pela cena em que a executiva deita na cama do hotel estrelas e decide ligar para sua melhor amiga e contar sobre o encontro com o produtor de eventos, que para a surpresa dela, está ouvindo tudo com um copo atrás da porta do quarto. O empasse entre o senhor Venceslau e a jovem esquenta ainda mais quando os outros expectadores do cinema começam a reclamar da pessoa em pé e do barulho decorrente da situação. "Silêncio" "Eu to tentando assistir" "Shhhhh" eram as frases mais ditas nos outros assentos do cinema. A garota então decidiu pedir mais uma vez, tomou forças dentro de si, olhou o senhor Venceslau novamente nos olhos e disse: "Senhor Venceslau, se o senhor não me deixar passar eu vou descascar uma laranja e usar a casca como coçador de costas por um mês". O senhor Venceslau então descruzou os braços e com uma voz propositalmente mais suave disse: "Eu adoro laranja. Eu e a Vilma sempre comemos lá em casa, não é Vilma?" A senhora Vilma então aproximou-se com o corpo e encostou a cabeça nos ombros do senhor Venceslau: "Sim. Eu gosto bastante do contraste entre doce e azedo". O senhor Venceslau então abriu um sorriso e disse: "Pode passar mocinha" e levantou a perna de uma maneira bastante acrobática, quase circense.

Enquanto ela subia rapidamente pelos degraus do corredor central do cinema, a tela exibia a cena em que o produtor de eventos está jovialmente ensinando a executiva a jogar golf, seguida instantaneamente pela cena em que ambos estão dirigindo o carrinho de golf desgovernadamente por uma área de grama alta enquanto batem em galhos de árvore e riem alto.

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