terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A bússola

Andava oscilante pelo deserto. Nenhuma referência no horizonte. Apenas areia. A areia é a síntese do deserto: seca, traiçoeira e imensurável. O clima, pelomenosmente, era brando. Apenas dois fas e um mi. As rajadas de vento eram constantes mas acolhedoras, como a música do caminhão de gás em uma segunda de manhã. Olhou para trás para estimar quanto já havia percorrido. Via apenas uma imensidão de areia e algumas pegadas recentes; as antigas haviam sido acolhedoramente apagadas. Virou-se novamente para frente e avistou, ao longe, um punhado de grãos de areia mais escuros. Decidiu caminhar até eles. Aos poucos, os grãos foram tomando a silhueta de um espantalho, depois de um manequim e, finalmente, de um homem. Era um homem de estatura mediana, mas o fato dele usar uma cartola deixava-o substancialmente mais alto. Também trajava um paletó escuro por cima de um colete quente com alguns naipes bordados. Seus sapatos pareciam alguns números maiores o conhecimento popular palpitaria. No rosto, ostentava um vigoroso bigode loiro e olhava através de dois monóculos. Anunciou, jovialmente:

"Olá jovem viajante! Seja bem vindo ao meu humilde baazar! Tenho aqui todo tipo de item pelo qual você pode ter interesse! Você sabia que absolutamente tudo que vendo aqui na minha tenda eu encontrei aqui nesse mesmo deserto? Esse lugar é recheado de surpresas e tesouros, basta voce saber procurar! Vejo que você parece perdido, tenho aqui algo perfeito para você! Essa belíssima bûssola de cobre escandinavo! Eu mesmo usei por muitos anos, na verdade ainda uso, tenho várias em casa! Mas você deu sorte por eu ainda ter uma aqui bem guardada, elas costumam acabar rápido! Toma! Você certamente vai fazer grande proveito dela! Obrigado pelo pagamento! Volto sempre que você precisar de alguma coisa!"

Tirou do paletó uma pequena caixa de presente embrulhada com uma fita dourada e entregou-a nas mãos do viajante. No momento em que o viajante abaixou a cabeça para olhar seu presente, o vendedor já havia sumido, deixando ele novamente a sós com a areia. Andou um pouco, pensando ainda em seu excêntrico encontro até que parou e olhou para o objeto em suas mãos. Cuidadosamente retirou a fita do embrulho, tirou a tampa de cima e colocou a mão dentro da caixa.  Estava vazia. Curioso, levantou então a caixa até a altura dos olhos para examiná-la melhor. Viu seu próprio reflexo. O fundo era espelhado.